Suspeição ou impedimento da testemunha: Aspectos jurisprudenciais.
Por Bernardo Herkenhoff Patricio —
Posso contraditar a testemunha da parte adversária? Por quais razões? Qual momento oportuno? Quais testemunhas são suspeitas e quais são impedidas?
Neste artigo, iremos responder estas perguntas, bem como, nos debruçar sobre alguns aspectos jurisprudenciais na esfera cível e trabalhista sobre a suspeição e impedimento da testemunha.
Primeiramente, se deve compreender a diferença entre suspeição e impedimento no tocante a testemunha.
Impedimento se fundamenta em elementos objetivos[1], que fogem da interpretação e vontade da autoridade judicial, devendo a regra ser observada até mesmo pelo risco de comportar ação rescisória. Aqui, a falta de isenção para depor é presumida, só podendo prestar depoimento em caráter excepcional.[2] A testemunha impedida, portanto, é impedida porque a lei presume a sua parcialidade.
Os impedidos estão elencados no §2º do art. 477 do Código de Processo Civil, abaixo:
- 2º São impedidos:
I – o cônjuge, o companheiro, o ascendente e o descendente em qualquer grau e o colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes, por consanguinidade ou afinidade, salvo se o exigir o interesse público ou, tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa, não se puder obter de outro modo a prova que o juiz repute necessária ao julgamento do mérito;
II – o que é parte na causa;
Já a suspeição envolve-se de questões subjetivas, o que emana uma certa insegurança jurídica e jurisprudencial quanto ao que é considerado suspeito. Contudo, através da análise jurisprudencial é possível notar que há uma certa inclinação para se determinar algumas características objetivas.
São considerados suspeitos para prestar depoimento os elencados nos incisos do art. §3º do Código de Processo Civil:
- 3º São suspeitos:
I – o inimigo da parte ou o seu amigo íntimo;
II – o que tiver interesse no litígio.
Interessante notar que, no art. 477 do Código de Processo Civil, o legislador intencionalmente já determina, em seu caput, que todas as pessoas podem ser testemunhas, buscando limitar ao máximo a caracterização de impedimento ou suspeição.
Além do CPC/15, o art. 829 da CLT também traz entendimento similar, deixando claro a obrigatoriedade de o depoimento da testemunha suspeita ou impedida valer como simples informação, ou seja, a testemunha irá depor na condição de informante.[3]
Traremos alguns exemplos encontrados nas jurisprudências:
Quanto tratamos de interesse no litígio, temos como exemplos:
– O fiador na causa do afiançado [4]
– O cedente na causa do cessionário[5]
– O vendedor, sujeito à evicção, na causa do comprador[6]
Não são consideradas situações caracterizadas como interesse na causa:
– O simples fato de estar litigando ou de ter litigado contra o mesmo empregador;[7]
– A mera declaração da testemunha de que gostaria que a parte vencesse a ação[8];
– O simples exercício de cargo de confiança, salvo se representante legal da empresa[9]
Quando tratamos de amizade íntima, temos como exemplos de condutas entre testemunha e parte, já respaldados nas jurisprudências:
– Frequentar a residência com certa habitualidade;[10]
– Visita em hospital quando internada;
– Compartilhamento de atividades de lazer;[11]
– Troca de confidências;[12]
– Apadrinhamento religioso;[13]
– Sociedade empresarial; [14]
– Ter compartilhado relacionamento amoroso[15]
Segundo jurisprudências, não é considerado amizade íntima:
– A simples relação entre parte e testemunha em redes sociais (seguidores mútuos). [16]
– O simples fato de a parte se comunicar com a testemunha[17]
– Relação de vizinhança[18]
– Mero relacionamento acadêmico ou profissional
Quanto a inimizade, temos como exemplos:
– Formular queixa crime uma contra a outra [19]
Não é considerado inimizade:
– Mero desentendimento entre as partes, sem profundidade. [20]
Obviamente que, ao ser questionado, caso a testemunha confesse qualquer razão de suspeição, também deverá ser ouvida como informante.
Lembrando que o momento para a arguição de impedimento ou suspeição de testemunha é entre o término da qualificação e o início do compromisso assumido perante o julgador, consoante artigo 457, § 1º do CPC de 2015.
E ainda, a suspeição da testemunha por amizade íntima exige prova robusta que demonstre, de forma clara, a intimidade e a confiança necessárias para afastar a credibilidade do depoimento.
Caso ausente às provas da suspeição e não ouvida a testemunha, sequer como informante, é possível a reforma da decisão, acarretando o acolhimento do cerceamento de defesa, desde que a prova seja imprescindível para a resolução da lide.
Apesar de termos tragos inúmeras jurisprudências em situações diversas, é certo que há ainda uma forte subjetividade quando se trata de suspeição da testemunha, principalmente quanto a amizade íntima. Afinal, como definir objetivamente o que pode ser considerada uma amizade ou, ainda, uma amizade com profunda intimidade?
Temos situações em que houve amizade por um período, mas já não havia no momento do depoimento. O quanto isto pode gerar isenção de ânimo quanto as declarações do depoente?
Por último, o art. 411, §1º do CPC/15 também define as pessoas que são incapacitadas para testemunhas, sendo:
I – o interdito por enfermidade ou deficiência mental;
II – o que, acometido por enfermidade ou retardamento mental, ao tempo em que ocorreram os fatos, não podia discerni-los, ou, ao tempo em que deve depor, não está habilitado a transmitir as percepções;
III – o que tiver menos de 16 (dezesseis) anos;
IV – o cego e o surdo, quando a ciência do fato depender dos sentidos que lhes faltam.
O art. 228 do Código Civil, cuja redação foi modificada pela Lei nº 13.146/2015, traz a seguinte disposição:
Art. 228. Não podem ser admitidos como testemunhas:
2º A pessoa com deficiência poderá testemunhar em igualdade de condições com as demais pessoas, sendo-lhe assegurados todos os recursos de tecnologia assistiva.
Aqui “o ideal é que o juiz se coloque diante da seguinte premissa: se a deficiência física ou mental não comprometer o ato processual, a pessoa, ainda que tenha sofrido processo de interdição, terá condições de servir como testemunha. Para tanto, devem ser oferecidos todos os recursos de tecnologia assistiva disponíveis para que ela tenha garantido o acesso à justiça”[21]
Sem dúvida, o campo da suspeição é subjetivo e repleto de divergências jurisprudenciais. Contudo, inobstante, cabe ao advogado conhecer as divergências e utilizá-las em favor do seu cliente, quando for conveniente.
[1] Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=103393&ori=1
[2] Exceção: poderão depor como testemunha se o exigir o interesse público ou, tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa, não se puder obter de outro modo a prova que o juiz repute necessária ao julgamento do mérito. Esta exceção também está prevista no art. 228, §1º do Código Civil.
[3] Art. 829 – A testemunha que for parente até o terceiro grau civil, amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes, não prestará compromisso, e seu depoimento valerá como simples informação.
[4] (TJ-MG – AC: 10280120004617002 Guanhães, Relator: José Augusto Lourenço dos Santos, Data de Julgamento: 27/01/2016, Câmaras Cíveis / 12ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 04/02/2016)
[5] (TJ-DF – APC: 20140110731003, Relator: FLAVIO ROSTIROLA, Data de Julgamento: 07/10/2015, 3ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 16/10/2015 . Pág.: 153)
[6] Idem
[7] Súmula nº 357 do TST
[8] (TRT-24 00243970420185240066, Relator: LEONARDO ELY, Data de Julgamento: 16/12/2019, 2ª Turma)
[9] (TRT-4 – RO: 01478007720095040261, Data de Julgamento: 08/03/2012, 8ª Turma)
[10] (TRT-1 – RO: 00119964220155010284 RJ, Relator: ENOQUE RIBEIRO DOS SANTOS, Data de Julgamento: 14/11/2016, Quinta Turma, Data de Publicação: 21/11/2016)
[11] (TRT-9 – ROT: 00007480720175090084, Relator: ROSEMARIE DIEDRICHS PIMPÃO, 7ª Turma, Data de Publicação: 01/12/2021)
[12] (TRT-15 – RO: 00105752020155150060 0010575-20.2015.5.15.0060, Relator: OLGA AIDA JOAQUIM GOMIERI, 1ª Câmara, Data de Publicação: 01/07/2016)
[13] TRT-18 – RO: 00278002120095180241 GO 0027800-21.2009.5.18.0241, Relator: PLATON TEIXEIRA DE AZEVEDO FILHO, Data de Julgamento: 26/08/2009, 2ª TURMA
[14] (TRT-24 00247286120165240096, Relator: RICARDO GERALDO MONTEIRO ZANDONA, Data de Julgamento: 30/08/2017, 2ª Turma)
[15] (TRT-7 – RORSum: 00000117520215070033 CE, Relator: FRANCISCO JOSÉ GOMES DA SILVA, 2ª Turma, Data de Publicação: 23/06/2021)
[16] (TRT-2 10021207220145020601 SP, Relator: MARIA ISABEL CUEVA MORAES, 4ª Turma – Cadeira 1, Data de Publicação: 25/08/2015)
[17] (TRT-9 – ROT: 00007480720175090084, Relator: ROSEMARIE DIEDRICHS PIMPÃO, 7ª Turma, Data de Publicação: 01/12/2021)
[18] (TRT-2 – RO: 00001208820145020481 SP 00001208820145020481 A28, Relator: MARCELO FREIRE GONÇALVES, Data de Julgamento: 26/03/2015, 12ª TURMA, Data de Publicação: 31/03/2015)
[19] (TRT-20 00004781920145200007, Relator: MARIA DAS GRACAS MONTEIRO MELO, Data de Publicação: 11/04/2019)
[20] (TRT-3 – RO: 00506201209003000 MG 0000506-71.2012.5.03.0090, Relator: Jose Marlon de Freitas, Sexta Turma, Data de Publicação: 04/02/2013.)
[21] DONIZETTI, Elpídio. Prova Testemunhal. Disponível em: https://genjuridico.jusbrasil.com.br/artigos/449336341/prova-testemunhal#:~:text=De%20acordo%20com%20o%20novo%20CPC%2C%20s%C3%A3o%20incapazes%2C,do%20fato%20depender%20dos%20sentidos%20que%20lhes%20faltam. Acesso em 23 nov. 2022.