Guarda Compartilhada: desafios e benefícios na busca pelo melhor interesse da criança
Por Sarah Maciela Dutra Beato –
A guarda compartilhada entre os genitores é a norma geralmente adotada pelos tribunais quando se trata de decisões sobre a tutela dos filhos quando os pais vivem separados. Essa modalidade de guarda é fundamental para assegurar o direito constitucional à convivência familiar e promover a responsabilidade parental.
Com a guarda compartilhada, os pais têm mais oportunidades e a obrigação de participar ativamente da vida de seus filhos, idealmente exercendo um cuidado conjunto.
Neste artigo, exploraremos o conceito de guarda compartilhada e as disposições da legislação brasileira a respeito. Também discutiremos os benefícios dessa prática, bem como os desafios encontrados na sua implementação.
- Conceito e Legislação da Guarda Compartilhada
A guarda compartilhada possibilita a convivência dos filhos com ambos os pais quando estes não vivem mais juntos. Visa garantir o exercício da autoridade parental e a responsabilização conjunta dos dois genitores na criação do filho comum, pois a ambos compete dirigir a criação e educação dos filhos.
No entanto, quando um genitor declara que não deseja a guarda ou está inapto ao exercício do poder familiar, aplica-se a guarda unilateral. O Código Civil, Lei nº 10.406/2002, aborda a guarda dos filhos nos artigos 1.583 a 1.590. Vejamos a distinção entre guarda unilateral e guarda compartilhada conforme o artigo 1.583:
Guarda unilateral: Atribuída a um só dos genitores ou a alguém que os substitua.
Guarda compartilhada: Responsabilização conjunta e exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivem sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns (CC, art. 1.583, § 1º).
O Código Civil estabelece que a regra é a guarda compartilhada, aplicando-se a guarda unilateral de forma excepcional, quando um dos pais manifesta claramente que não deseja a guarda do filho, ou quando este genitor representa um risco para o filho. Entendo que, o juiz ao definir a guarda unilateral deve fundamentar sua decisão, sob pena de nulidade por vício de procedimento.
- Benefícios da Guarda Compartilhada
Quando os pais se separam, muitas mulheres ainda têm receio de dividir e delegar ao ex-marido/companheiro os cuidados diários com os filhos, mesmo que isso resulte em uma sobrecarga de trabalho. Muitas acreditam que a guarda compartilhada não funciona e resistem a compartilhar essa exaustiva e árdua rotina de cuidados.
É essencial entender que a guarda compartilhada quebra hierarquias e uma estrutura de poder. “A guarda não é sua, nem minha. É nossa.” Isso, por si só, já é um avanço significativo em direção ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
A guarda compartilhada promove uma distribuição mais equitativa das responsabilidades parentais e o fortalecimento dos vínculos familiares, além de trazer benefícios emocionais, psicológicos e sociais para a criança, como a manutenção de laços afetivos com ambos os pais.
Um estudo americano de meta-análise apontou que crianças em guarda compartilhada, seja com alternância de residências ou não, mostraram-se significativamente mais ajustadas do que crianças em guarda unilateral nos diversos domínios avaliados, como emocional, acadêmico, comportamental e familiar (Bauserman, 2002).
- Desafios na Implementação da Guarda Compartilhada
Contudo, a implementação da guarda compartilhada enfrenta diversos desafios, entre os quais os conflitos entre os pais se destacam como um dos mais críticos. Mas é fundamental o comprometimento de ambos para deixar de lado as disputas e os ressentimentos, focando sempre no melhor interesse da criança.
A incapacidade de dialogar e cooperar pode transformar o processo em uma experiência tumultuada, exigindo frequentemente a intervenção do judiciário para decidir as questões familiares. Muitos imprevistos podem surgir, e considerar as rotinas das crianças, as necessidades educativas, e as atividades extracurriculares, exigem flexibilidade e compreensão.
Além disso, os aspectos práticos, como a organização do tempo e a divisão das responsabilidades diárias, muitas vezes exigem uma logística bem estruturada, o que pode ser difícil de alcançar sem um planejamento detalhado e um comprometimento mútuo.
O impacto psicológico nas crianças também é significativo, pois a transição entre dois lares pode causar insegurança e estresse, tornando essencial o apoio psicológico para facilitar a adaptação. Portanto, é importante o suporte psicológico para ajudar a criança a enfrentar essas mudanças, oferecendo-lhe ferramentas para lidar com as novas circunstâncias e promovendo um ambiente emocionalmente seguro em ambos os lares.
No sistema judiciário os desafios também são grandes, tanto na implementação quanto na supervisão da guarda compartilhada, necessitando de recursos adequados e uma abordagem sensível às particularidades de cada caso para garantir que o interesse da criança seja sempre priorizado. Por isso, é importante uma equipe multidisciplinar sensível e que esteja preparada para lidar com os diversos casos que surgem no judiciário.
- Estratégias para Superar os Desafios
Para superar os desafios da guarda compartilhada, diversas estratégias podem ser implementadas, visando facilitar a transição e garantir o bem-estar das crianças e dos pais. O planejamento detalhado e a comunicação eficaz entre os pais são essenciais para o sucesso da guarda compartilhada. Um planejamento bem-estruturado que defina claramente os horários, as responsabilidades e as rotinas diárias podem minimizar a confusão e os mal-entendidos.
A comunicação aberta e contínua é vital para ajustar o plano conforme necessário e para lidar com quaisquer imprevistos que possam surgir, garantindo que ambos os pais estejam sempre alinhados e informados sobre as necessidades e atividades das crianças.
O acompanhamento psicológico tanto da criança, quanto dos pais, desempenha um papel crucial. É uma situação nova, que ambos precisam aprender a lidar com os desafios emocionais e a promover uma adaptação saudável a esta nova dinâmica familiar.
A mediação familiar também é uma ferramenta fundamental nesse contexto, oferecendo um espaço neutro onde os pais podem resolver conflitos de maneira construtiva. Mediadores especializados ajudam a identificar os pontos de discordância e trabalhar em soluções colaborativas, promovendo um ambiente mais harmonioso e centrado nos interesses da criança.
Por fim, a guarda compartilhada é frequentemente adotada nos tribunais porque, quando bem implementada, beneficia todas as partes envolvidas, proporcionando estabilidade e segurança para as crianças, além de promover uma parceria parental produtiva e a convivência contínua dos pais com os filhos.
Conclusão
A guarda compartilhada, ao priorizar o melhor interesse da criança, representa um avanço significativo no pós-divórcio com filhos. Ela não apenas garante que ambos os pais permaneçam ativamente envolvidos na vida dos filhos, mas também promove um ambiente de estabilidade e segurança que é essencial para o desenvolvimento saudável das crianças.
Superar os desafios inerentes a essa abordagem exige um esforço contínuo de todos os envolvidos, incluindo um planejamento detalhado, uma comunicação aberta, além de flexibilidade e compreensão dos pais.
Olhando para o futuro, é essencial que a legislação e as práticas judiciais continuem a evoluir para refletir as necessidades das famílias modernas. A criação de políticas que incentivem o bem-estar das crianças, bem como os investimentos em pesquisa, cursos, palestras e na formação de profissionais (até mesmo os advogados) que lidam com o direito de família são cruciais para garantir que as melhores práticas sejam identificadas e disseminadas.
Além disso, a mediação e o suporte psicossocial podem contribuir significativamente para a mitigação dos conflitos e para o bem-estar das crianças. Com esses esforços, podemos esperar um sistema mais eficiente e sensível, capaz de atender de forma plena aos interesses das crianças e das famílias envolvidas na guarda compartilhada.
Por fim, a guarda compartilhada, quando bem definida pelos pais e cumprida corretamente, atende ao melhor interesse da criança.
Referências
DIAS, Maria Berenice. “Guarda” no ECA e no Código Civil. IBDFAM, 13 mar. 2024. Disponível em: https://ibdfam.org.br/artigos/2106/%22Guarda%22+no+ECA+e+no+C%C3%B3digo+Civil. Acesso em: 25 maio 2024.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Guarda Compartilhada, Violência Doméstica e a Lei 14.713, de 2023. Conjur, 11 dez. 2023. Disponível em: https://ibdfam.org.br/artigos/2076/Guarda+Compartilhada%2C+Viol%C3%AAncia+Dom%C3%A9stica+e+a+Lei+14.713%2C+de+2023. Acesso em: 27 maio 2024.
SANTOS, Fabiano Rabaneda dos. Lar Referencial: um Equívoco Interpretativo da Lei 13.058-14. IBDFAM, 21 set. 2023. Disponível em: https://ibdfam.org.br/artigos/2043/Lar+Referencial%3A+um+Equ%C3%ADvoco+Interpretativo+da+Lei+13.058-14. Acesso em: 27 maio 2024.
RESMINI, Gabriela de Faria; FRIZZO, Giana Bitencourt. A experiência da guarda compartilhada na perspectiva de diferentes membros da família. Pensando famílias, Porto Alegre, v. 22, n. 2, p. 95-106, jul./dez. 2018. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-494X2018000200014. Acesso em: 25 maio 2024.
Bauseman, R. (2002). Child adjustment in joint-custody versus sole-custody arrangements: A meta-analytic review. Journal of Family Psychology, 16(1), 91-102. doi: 10.1037//0893-3200.16.1.91
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 25 maio 2024.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS (TJDFT). Jurisprudência em temas: Família e Sucessão – Guarda Compartilhada – Melhor Interesse da Criança. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/consultas/jurisprudencia/jurisprudencia-em-temas/jurisprudencia-em-detalhes/familia-e-sucessao/guarda-compartilhada-2013-melhor-interesse-da-crianca. Acesso em: 27 maio 2024.