Os contratos nos relacionamentos
Sarah Maciela Dutra Beato –
Os contratos nascem com o ser humano vivendo em sociedade, assim surge essa necessidade de formalizar as relações em contratos e de passar para o papel os acordos e negócios.
Nos relacionamentos amorosos não é diferente. A forma com a qual as pessoas se relacionam – afetiva e sexualmente – sempre muda muito ao longo do tempo, com isso a Lei Brasileira deve refletir esses modelos de família que vem surgindo em cada época.
Atualmente, vivemos em um modelo de família democrática, isto é, minha família, minhas regras. Cada família estabelece suas próprias regras, decide como vai funcionar a rotina doméstica, quais as regras do casal, o que lhe agrada ou desagrada como questões relacionadas a sexo, comportamento, cuidado com os filhos, privacidade etc. Também podemos chamar de família contratualizada.
Com os contratos familiares o casal ou a família são os protagonistas de suas histórias, dando a oportunidade de estabelecer suas próprias regras, criar seus caminhos e, a qualquer tempo, sempre que necessário for, mudar os acordos, refazer os pactos e redefinir as prioridades, mais ou menos como um piloto de avião que, sempre que necessário, precisa agir para redefinir a rota e ajustar os rumos a serem cumpridos[1]
Vale lembrar que há regras e limites que devem ser obedecidos para que a liberdade não se confunda com arbitrariedade. Vejamos:
Não pode haver tratamento discriminatório entre homens e mulheres, é preciso respeitar a dignidade humana dos envolvidos, as vulnerabilidades devem ser tuteladas, não pode haver desrespeito aos direitos das crianças, adolescentes e idosos. Famílias homoafetivas precisam ser protegidas. As pessoas portadoras de deficiência devem ser amparadas e jamais será tolerada a violência doméstica. Afastadas essas situações inaceitáveis, o que resta, e importa, é o amplo espaço de construção de regras intrafamiliares. (SOARES DE CARVALHO, 2022).
Também vale lembrar que o contrato é um negócio jurídico e precisa preencher alguns requisitos para ter eficácia e validade. Nos termos do art. 104 do Código Civil:
Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
I – agente capaz;
II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III – forma prescrita ou não defesa em lei.
Além disso, alguns princípios devem ser observados, como o da autonomia da vontade, o consensualismo, a força obrigatória e a boa-fé. Isto é, toda pessoa capaz é livre para determinar o conteúdo do contrato e prevalecer a sua vontade, desde que esteja no limite da lei. Basta a concordância das partes para gerar um contrato.
Quanto a força obrigatória, firmado um contrato entre as partes, ele deverá ser executado e obedecido, tornando-se lei entre os contratantes. A boa-fé deve ser observada em todas as fases contratuais, bem como no início das tratativas e na conclusão, visando a honestidade, a moral e a ética.
Portanto, os contratos que cumprem todos os requisitos de validade, existência e eficácia e segue todos os princípios fundamentais, está apto a produzir efeitos no mundo jurídico e vincular as partes contratantes.
Os contratos familiares são pactos individualizados e específicos para cada casal ou entidade familiar, de acordo com suas necessidades afetivas e/ou pessoais. A seguir iremos abordar alguns contratos dentro do direito de família, como o contrato de namoro, pré-nupcial, intramatrimonial, união estável, pré-divórcio e pós-divórcio.
Contrato de namoro
O contrato de namoro é um tema recente em nosso ordenamento jurídico, mas com muitos adeptos. Esse contrato tem como objetivo distinguir um relacionamento temporário de uma união estável, isto é, sem o intuito de constituir família.
O objetivo principal deste contrato é a proteção do patrimônio. Para que com o fim do relacionamento, evite discussões como pensão, partilha de bens, herança ou direito real de habitação.
Além disso, o contrato de namoro para ter validade precisa ser registrado em cartório e ser elaborado de acordo com cada casal e suas particularidades. Destaca-se que cabe aos Juízes a análise de cada caso para entender se a relação é namoro ou união estável. Mas, o contrato serviria como prova para auxiliar o convencimento do juízo sobre o real contexto vivido na época.
Contrato pré-nupcial ou antenupcial
Também chamado de pacto antenupcial é um contrato elaborado antes do casamento, quando os noivos desejam um regime de bens diferente do regime legal (comunhão parcial de bens). No pacto antenupcial os noivos estabelecem o regime de bens, as regras durante o casamento e as repercussões econômicas caso ocorra o término do relacionamento.
Além disso, também podem tratar de outras regras que não sejam patrimoniais, como cláusula de indenização em caso de separação ou traição. São infinitas possibilidades de regras. Abordaremos em outro momento alguns exemplos.
O casal que opta por fazer o pacto antenupcial tem mais autonomia, segurança, tranquilidade, economia e independência durante e após o casamento, pois todas as regras estarão estabelecidas no pacto.
Contratos intramatrimoniais
Os contratos intramatrimoniais são um acordo pós-nupcial, isto é, é realizado durante o casamento ou união estável. O objetivo é definir regras patrimoniais e de convivência ao longo do relacionamento. Muito semelhante aos pactos antenupciais.
Estes contratos podem ser uma opção favorável para o casal que estão juntos há muitos anos ou, por opção, não fizeram o pacto antenupcial e, no momento, sente a necessidade de fazê-lo. Como uma opção para não terminar o relacionamento, decidem ajustá-lo e adaptá-lo às mudanças que o tempo impõe na vida de cada indivíduo.
Vale ressaltar que um pacto antenupcial não irá abordar todas as situações da vida do casal pois muitas questões decisivas sobre a outra pessoa ou sobre a organização da família somente podem ser descobertas e compreendidas com o passar do tempo, ao longo da convivência.
Lembrando que esse contrato poderá versar sobre questões patrimoniais e econômica ou questões internas de relacionamento, pessoal e de convivência. Daí a necessidade de um ajuste, durante o caminho, para que as coisas fiquem mais confortáveis e seguras para todos os envolvidos.
Podemos mencionar alguns exemplos de contratos intramatrimoniais como: – repactuação de regras sexuais entre o casal / frequência / modalidades de práticas sexuais entre os cônjuges/conviventes;- regras sobre visitação de parentes do cônjuges/companheiro na residência do casal, como a hipótese de estabelecer quantas vezes a sogra pode visitar a casa da família ou se os cunhados podem ou não utilizar o apartamento de praia do casal;- negócios sobre inseminação artificial para casais que não conseguiram ter filhos por meios naturais; – os chamados contratos de coparentalidade, segundo o qual as pessoas decidem ter filhos juntos mas sem ter uma relação afetiva ou mesmo sexual; – estipulação de multa por transmissão de doenças sexualmente transmissíveis ou, bem mais moderno e atual, que são os contratos para casais que, após a união monogâmica, decidem migrar para relações de poliamor, os chamados “trisais”, bem como as questões patrimoniais relacionadas a esse tipo de arranjo familiar. (SOARES DE CARVALHO, 2022).[2]
Contratos pré-divórcio
O contrato pré-divórcio serve para criar normas que facilitem o divórcio ou dissolução de união estável, para que seja consensual, não litigado ou com o mínimo de disputas processuais possíveis.
Sabemos o quanto o divórcio litigioso é desgastante para ambas as partes. Então, a possibilidade de fazer escolhas processuais que diminuam a duração das ações, estipulem limitação de recursos, a fim de que os processos não perdurem no tempo é essencial.
Nas cláusulas deste contrato pode conter questões quanto as restrições de publicações em redes sociais, regras sobre a guarda dos filhos, cláusulas de reajuste de alimentos a cada ciclo de tempo ou termo, possibilidade de nomear um “representante” ou “administrador” para gerir as decisões do casal acerca do divórcio ou hipóteses de arbitragem em Direito de Família.
Vejamos alguns exemplos de contratos pré-divórcio:
Regras sobre guarda dos filhos / divisão da guarda de forma escalonada; – contratualização progressiva para a guarda compartilhada; – negócios sobre eventualidade de mudança para outra cidade ou outro país;- cláusulas de reajuste de alimentos a cada ciclo de tempo ou termo; – Estabelecimento de critérios para contato/convivência entre o ex-casal em caso de divórcio ou dissolução de união estável; – acertos sobre exposição de imagens na internet e privacidade dos filhos após o fim do relacionamento / regras sobre publicação de fotos, vídeos e postagens com novos (as) parceiros; – acordos para cuidados e guarda dos animais de estimação do casal, dentre vários outros. (SOARES DE CARVALHO, 2022).[3]
Contratos pós-divórcio ou pós-união estável
Os contratos pós-divórcio ou pós-união estável tem como objetivo reajustar os acordos estabelecidos no fim do relacionamento. Serve para aquele casal que mantém vínculos jurídicos em comum e precisam buscar sempre pela manutenção e construção de uma boa convivência.
Vejamos alguns contratos pós-divórcio:
Negócios sobre inseminação artificial pós-divórcio, sobretudo com embriões já inseminados ou regras para direito de reprodução pós-morte;- pactos que disciplinem os cuidados com os filhos, horas de dedicação às atividades escolares em casa e acompanhamento nas atividades extracurriculares;- contratos para reajustar, recompor, modificar ou alterar o regime de guarda estabelecido na época do divórcio ou dissolução de união estável; – pactos sobre alimentos a serem realizados após o divórcio ou a dissolução de união estável. (SOARES DE CARVALHO, 2022).
Vale destacar que os contratos são de acordo com o casal e suas necessidades específicas. Portanto, podem surgir inúmeros outros modelos de acordos que irão atender a necessidade de casa casal/família.[4]
SmartContracts
Já aconteceu no Brasil o primeiro casamento no ambiente virtual do metaverso, que é um espaço tecnológico paralelo ao mundo real para interação de pessoas e empresas.
Diante dessas mudanças que citamos desde o início do artigo que ocorre em cada época. O direito de família precisa caminhar junto com as mudanças da sociedade. Com o metaverso, um avatar pode namorar outro avatar, realizando casamento ou união estável.
Diante disso, a necessidade dos “smartcontracts”, ou contratos inteligentes que são projetados para ampliar a segurança das transações ao tempo em que reduz os custos e otimiza as relações entre contratantes.
Provavelmente, o que ocorrer no metaverso poderá trazer consequências para o mundo real. Mais uma vez os “smartcontracts” seriam necessário.
Por fim, o presente artigo buscou trazer as diversas modalidades de contratos existentes no Direito de Família. Lembrando que esses contratos devem ser realizados conforme a realidade de cada família.
Referências:
SOARES DE CARVALHO, D. B. Minha família, minhas regras: da família contratual aos smartcontracts de Direito de Família. IBDFAM, 27 de abril de 2022. Disponívelem:<https://ibdfam.org.br/artigos/1809/Minha+fam%C3%ADlia%2C+minhas+regras%3A+da+fam%C3%ADlia+contratual+aos+smartcontracts+de+Direito+de+Fam%C3%ADlia>.Acesso em: 13 de jun. 2022.
MANHÃES, C. C. P. O contrato de namoro e o ordenamento jurídico brasileiro. IBDFAM, 14 de setembro de 2021. Disponível em:<https://ibdfam.org.br/artigos/1748/O+contrato+de+namoro+e+o+ordenamento+jur%C3%ADdico+brasileiro>.Acesso em: 13 de jun. 2022.
[1]SOARES DE CARVALHO, D. B. Minha família, minhas regras: da família contratual aos smartcontracts de Direito de Família. IBDFAM, 27 de abril de 2022. Disponível em:<https://ibdfam.org.br/artigos/1809/Minha+fam%C3%ADlia%2C+minhas+regras%3A+da+fam%C3%ADlia+contratual+aos+smartcontracts+de+Direito+de+Fam%C3%ADlia>.Acesso em: 13 de jun. 2022.
[2]SOARES DE CARVALHO, D. B. Minha família, minhas regras: da família contratual aos smartcontracts de Direito de Família. IBDFAM, 27 de abril de 2022. Disponível em:<https://ibdfam.org.br/artigos/1809/Minha+fam%C3%ADlia%2C+minhas+regras%3A+da+fam%C3%ADlia+contratual+aos+smartcontracts+de+Direito+de+Fam%C3%ADlia>.Acesso em: 13 de jun. 2022.
[3]SOARES DE CARVALHO, D. B. Minha família, minhas regras: da família contratual aos smartcontracts de Direito de Família. IBDFAM, 27 de abril de 2022. Disponível em:<https://ibdfam.org.br/artigos/1809/Minha+fam%C3%ADlia%2C+minhas+regras%3A+da+fam%C3%ADlia+contratual+aos+smartcontracts+de+Direito+de+Fam%C3%ADlia>.Acesso em: 13 de jun. 2022.
[4] É o caso dos contratos prévios a relações sexuais, a fim de estabelecer a consensualidade do ato, como já adotado em várias universidades da Europa, por jovens que, nas festinhas da faculdade, recebem e assinam acordos de relação sexual consentida; contratos para casais ou grupos, sem conotação de família, que decidem viajar juntos; contratos de parcerias econômicas para casais, mas sem vinculação afetiva ou sexual entre os envolvidos, e uma gama de contratos para idosos, seja para as próprias pessoas que querem estabelecer, entre si, regras para a chamada “melhor idade” ou por seus filhos e netos, que criam normas para cuidados e atenção dedicados aos mais velhos, como, por exemplo, acordos para uma espécie de “rodízio” entre os filhos, por tempos pré-determinados, onde cada um vai cuidar dos ascendentes por períodos, de maneira que a responsabilidade não recaia apenas sobre alguns deles (SOARES DE CARVALHO, 2022).